Uma visita ao Parque Nacional Grande Sertão Veredas: natureza e cultura

Por Funatura

20 de outubro de 2020

Trilha no Morro Três Irmãos, Parque Nacional Grande Sertão Veredas. Foto de Ricardo Andrade
Trilha no Morro Três Irmãos, Parque Nacional Grande Sertão Veredas. Foto de Ricardo Andrade

“Me deu saudade de algum buritizal, na ida duma vereda em capim tem-te que verde, termo da Chapada. Saudades dessas que respondem ao vento; saudades dos Gerais. O senhor vê: o remôo do vento nas palmas dos buritis todos quando é ameaço de tempestade. Alguém esquece isso? O vento é verde. Aí, no intervalo, o senhor pega o silêncio põe no colo.”

 João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas

A luta para a criação de uma Unidade de Conservação que garantisse a integridade do bioma dos cenários da obra de Guimarães Rosa, em uma região cada vez mais tomada pelo agronegócio, coincide com o propósito e a criação da Fundação Pró-Natureza (Funatura) no ano de 1986. O Parque Nacional Grande Sertão Veredas (PNGSV) foi criado em 1989 e ampliado em 2004, a partir de estudos e propostas lideradas pela Funatura.

Atualmente, o Parque recebe visitantes de todo o Brasil, interessados em conhecer as paisagens naturais e a cultura local. Os guias estão capacitados a contextualizar o meio ambiente na obra do grande escritor. “Sempre desenvolvemos a junção da conservação da natureza com a valorização da cultura, incluindo a literatura roseana. A partir de um intercâmbio com o projeto Miguilim, desenvolvido em Cordisburgo, cidade natal de Guimarães Rosa, os guias do PNGSV foram incentivados a declamar contos e passagens dos romances do escritor”, declara o superintendente da Funatura por 30 anos, César Victor do Espírito Santo.

Trilha no Morro Três Irmãos, Parque Nacional Grande Sertão Veredas. Foto de Ricardo Andrade
Trilha no Morro Três Irmãos, Parque Nacional Grande Sertão Veredas. Foto de Ricardo Andrade

No feriado de 12 de outubro, um grupo de 20 pessoas adentrou as terras dos Gerais, no noroeste de Minas, e descobriu os encantos do lugar. A professora de literatura Maria Fernanda Isidoro, de Niterói (RJ), não hesitou em percorrer 1.500 km até a Chapada Gaúcha (nome dado à região), para vislumbrar veredas, araras, rios e buritis, mas, sobretudo, segundo ela, ouvir Guimarães Rosa pelas vozes dos guias Elson Barbosa e Anderson Santana.

“Sou apaixonada pela obra de Guimarães Rosa e descobri esse roteiro magnífico pelo Parque Grande Sertão Veredas. As paisagens são deslumbrantes, um mar de montanhas e chapadões. Durante a caminhada, comer caju e outras frutas do pé, ouvir os buritis “nos aplaudindo”, além das araras e outras aves é uma experiência ímpar. Se sentir parte da história de Riobaldo e Diadorim, ouvir a encenação do pacto de Riobaldo com o demo no local onde supostamente a cena se passou é uma vivência inesquecível e arrepiante. Quem conhece a obra de Rosa se arrepia ao ouvir os trechos. Quem não conhece volta pra casa cheio de vontade de conhecer”, conta Maria Fernanda.

O professor Maurício Barbosa Carneiro, um dos participantes do grupo denominado “Seguindo o rastro de Riobaldo e Diadorim”, descreve: “O sertão é a nossa travessia. Foi ali o nosso encontro com o que ele nos oferece de melhor. Foi nele que aprendemos que ele vive, está presente naquelas pessoas que de lá não saíram. O sertão é presente, é gente, é ação. O sertão é a ligação da nossa identidade, da nossa cultura e da nossa voz. É a personificação da admiração, do respeito e das paisagens”.

Essa viagem ao interior dos Gerais é comparada, por Maurício, à leitura do livro: “Grande Sertão Veredas nos possibilitou conhecer a nós mesmos (…). Nos tornamos únicos, sertanistas, gerazeiros, veredeiros, quilombolas, vazanterios e xacriabás. Admiramos suas belezas, apreciamos seus sabores, fomos acolhidos e integrados às suas paisagens”. As comunidades tradicionais da região povoam o imaginário e promovem encontros marcantes com os visitantes.

Para a servidora pública Débora Spalding Verdi, entrar no PNGSV é como “ser catapultada a outra dimensão”, em parte pela natureza exuberante do Cerrado, em parte pelo ambiente cultural e literário que os “guias turistas ecoculturais” (como se autodenominam) proporcionam. “O caminho antes de chegar ao Parque é triste, se estende por quilômetros e horas de deserto de latifúndios a perder de vista”, observa Débora.

A vista do Morro Três Irmãos surge como “um tesouro escondido”. “Agora sim, é o cerrado que se espalha a perder de vista, com as copas baixas e multicoloridas, os troncos retorcidos, tudo ainda muito distante, misturado, na vista panorâmica”.

DIFÍCIL DE DESLEMBRAR

Além do encanto pela paisagem natural, Débora cita, nas suas memórias do Parque, “os olhos brilhantes de Diana, que ilumina a diversidade e riqueza da cultura popular local e, pra nossa sorte, compartilha as muitas histórias que já ouviu e viveu”. Diana Campos é responsável-técnica pela Diadorim Vivências, empresa que conduz visitantes pela “interpretação ambiental”, ou seja, uma experiência de ecoturismo em diálogo com as comunidades tradicionais. Na volta da visita do PNGVS, em Chapada Gaúcha, Diana apesentou ao grupo o Ponto de Cultura Seu Duchim e a sede do Instituto Rosa e Sertão, dirigido por mulheres. 

“Ver e sentir as veredas e a diversidade do Cerrado tão de perto é uma experiência única e certamente impossível de “deslembrar”, finaliza Débora Verdi, num neologismo à roseana.

O servidor público Rodrigo Afonso Guimarães estava na sua terceira visita à região. “Já tinha ido duas vezes à Chapada Gaúcha, pelo Caminho do Sertão, uma caminhada de seis dias percorrendo o sertão mineiro, que ocorre anualmente desde 2014 na semana que antecede o Encontro dos Povos do Grande Sertão Veredas e se inicia no distrito de Sagarana (município de Arinos) e termina em Chapada Gaúcha, a tempo de participar do encontro”, diz.

Rodrigo destaca que o Parque Nacional do Grande Sertão Veredas e o mosaico que vai até o Peruaçu são verdadeiros guardiões das belezas e riquezas do Cerrado.

“A região apresenta um gritante contraste paisagístico. O agronegócio é a base da economia do município e a paisagem de monoculturas a perder de vista no alto da chapada é desoladora”, descreve.

PERCURSOS

“Eu já tinha passado caminhando por comunidades que vivem em torno da Chapada, como Ribeirão de Areia e Vão dos Buracos. Nesta viagem, fomos a Buraquinho. São áreas de corredor ecológico cheias de lindas veredas, por onde passa o Rio Pardo. Mas me parece uma área ecologicamente frágil. O guia, que é da comunidade, relatou que o volume de água do rio Pardo está diminuindo com o tempo. Foi uma caminhada muito gostosa, parte em terra, parte em água, com a água batendo normalmente nos tornozelos. E o visual de cânions é incrível, sem falar nas lindas aves.

O Parque Nacional, eu só tinha visto a partir do mirante. Desta vez, fizemos uma trilha lá dentro. É uma trilha que dá para fazer totalmente a pé, pois os outros passeios oferecidos requerem entrar no Parque em veículo 4×4. Saímos da entrada pelo mirante e caminhamos até o Morro dos Três Irmãos, pela rica vegetação do Cerrado. Cagaitas, pequizeiros e buritizais, formando lindas veredas por onde avoam lindas araras. Do topo do Morro dos Três Irmãos, a imensidão do Parque fica mais marcante ainda do que do mirante.

Essa experiência dá uma certa esperança, bem como a certeza da importância dos trabalhos de criação e cuidado com as nossas unidades de conservação”, conclui Rodrigo Guimarães.

Reportagem: Letícia Verdi

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SERVIÇO

Para informações sobre passeios e visitas ao Parque Nacional Grande Serão Veredas, entre em contato com:

ICMBio na Chapada Gaúcha – (38) 3634 1465

Prefeitura da Chapada Gaúcha / Secretaria de Turismo – (38) 3634 1110

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